Navegador Solitário
As primeiras páginas sãoo verdadeiramente divertidas. Pobre Solitão (o nome é responsabilidade vaca da madrinha Preciosa), assombrado pelo avô Aquelino, que o quer utilizar para ser, depois de morto, o que não conseguiu ser em vida! Na segunda parte, Solitão aprendeu a escrever sem erros com a professora de português que anda a comer. Confesso que fiquei com pena do calão imaginativo, cheio de erros e sem vírgulas da primeira parte, como quando Solitãoo se atrapalha com "piçaarvativo" para dar a sua primeira "berlaitada" e depois se confessa aos padre os seus pecados contra a "castridade", pedindo a "besolvição". A terceira parte é dedicada à ambição desmedida de ascensão económica e social de Solitão (que odeia o nome e quer que lhe chamem Francisco): vai estudar Direito para Lisboa, incentivado pelo Dr. Severo, que até lhe "punha" um apartamento para poder "desfrutar" mais à vontade do físico do rapaz, se ele quisesse (não quis)! é uma fase de grandes sacrifícios, muito trabalho, muito estudo, pouco dinheiro e pouco sexo... Salva-se um novo personagem, a cavalona da prima Ivone, que apesar de estar para casar, vai "aliviando" o desgraçado do Solitão... A quarta e última parte é sobre redenção e castigo: a redenção do Solitão, a redenção da Etelvina (uma prostituta com bom coração), a redenção do bem e do amor verdadeiro; o castigo do mal, das almas penadas, do interesseirismo, da riqueza oca e da ambição desmedida. Apesar de ter conseguido criar alguns personagens e dispositivos muito interessantes (Solitão, o avô Aquilino, Teresa e a prima Ivone, a escrita cheia de erros da 1a. parte, a escrita automática), por vezes, o autor parece andar um pouco perdido, sem saber o que fazer com eles: Angelino sempre a curar-se e a recair na droga, o avô Aquilino sempre a dizer que não pode desvendar os mistérios do outro mundo, o pai sempre a chatear o moçoo, etc. Alguns dos personagens são muito vistos (a puta de bom coração, a aristocrata muito digna) e o enredo acaba por ser pouco surpreendente ou original... o rapaz salva-se das más influências... e tudo (até) termina com um "casamento improvável"!A homossexualidade é um dos temas sempre presentes ao longo do livro, contribuindo decisivamente para o enredo, embora sem ser o tema central. O Angelino arranja dinheiro para a droga vendendo-se aos homossexuais do Parque Municipal de Giestal, onde Solitão encontra (e satisfaz) o Dr. Severo. Mas o Dr. Severo é um dos "maus" da história, não por ser homossexual, mas por ser hipócrita (é casado, tem duas filhas e um apartamento em Almada, onde ao longo da vida foi tendo rapazes "por conta". O próprio Solitão não é moralista em relação ao assunto, acreditando que chegou a ter prazer, embora nem a si próprio o conseguisse confessar. Pelo meio, surgem algumas considerações interessantes sobre a sociedade portuguesa-europeia-ocidental que se mantêm actuais passados quase 20 anos sobre a escrita do livro: sobre o "provincianismo" e a "meia-tigela". "A sua predominância no actual momento histórico pode ser considerada a partir de duas perspectivas diferentes. A mais comum - que a Rita partilha - é aquela que se limita a vê-la como um sinal dos tempos, partindo do princípio de que os tempos são decadentes e abastardados, sem mais. A outra perspectiva colocará, ao menos como hipótese, que decadência e abastardamento são meros ingredientes de mutação e assinalam, ainda que indirectamente, um caminho positivo."